A tragédia ocorrida na madrugada do dia 27/01, na cidade de Santa Maria/RS, deixou o Brasil e o mundo chocados. Mais de duzentos jovens tiveram suas vidas ceifadas estupidamente.
Na flor da idade, tiveram seus sonhos e projetos enterrados de forma abrupta. Quem dentre aqueles jovens pensaria que domingo passado seria seu último dia de vida? E os familiares então, que foram pegos de surpresa com a terrível notícia? Agora, é que estes devem estar "caindo na realidade" do que aconteceu. Pois, geralmente, a primeira reação é de perplexidade. Parece que aquilo não pode ser verdade, que não passa de um pesadelo do qual se acordará aliviado.
No jornal Zero Hora de hoje, o colunista David Coimbra publica um artigo que gostei muito, pois me identifiquei com o pensar dele. E gostaria de compartilhar com vocês o que ele escreveu. Aos familiares das vítimas, o que dizer numa hora dessas? Que Deus os console, anime e fortaleça, que a vida continua. Aos cristãos, estejamos orando e jejuando em favor dos sobreviventes e de seus familiares. E, como disse o Senhor Jesus, sigamos trabalhando enquanto é dia, pois a noite vem, quando não se pode fazer mais nada. A madrugada do dia 27/01/2013 foi a noite praqueles jovens.
NÃO CONSIGO ESQUECER
David Coimbra
Vi uma menina em meio aos cadáveres, no ginásio de Santa Maria.
Não consigo esquecer aquela menina.
Eu estava caminhando pelos corredores de corpos das vítimas do incêndio na boate, estava angustiado com o cenário de horror. Na verdade, não sabia exatamente o que pensar nem o que sentir, e ainda estou pensando, ainda estou sentindo.
Então, avancei pelo corredor central, até onde haviam sido dispostas as mulheres, todas elas cobertas até a cintura por uma lona.
E a vi.
Ela estava deitada à direita do corredor principal, numa das fileiras frontais. Era uma moreninha de cabelos pretos e lisos que lhe escorriam até um palmo abaixo dos ombros. O que primeiro me chamou a atenção foram, exatamente, os cabelos. Pareciam estar penteados. Tinham brilho. Em seguida, olhei bem para seu rosto. Era bonita, de feições delicadas, boca e nariz pequenos. Os olhos escuros estavam semiabertos, como se ainda enxergassem ou estivessem se abrindo de um sono reparador. Era muito jovem. Quantos anos teria? Dezoito? Dezenove no máximo.
Eu ia para um lado e para outro, mas acabava voltando e olhando-a. Por algum motivo, precisava olhá-la. Pensei que parecia uma menina bem cuidada. Sim, uma menina tratada com doçura, como têm de ser tratadas as meninas. Devia ser o orgulho dos pais, a paixão dos avós. Provavelmente estudava nos semestres iniciais de alguma das faculdades de Santa Maria. Talvez Veterinária. Sim, aposto que era Veterinária, a menina devia adorar bichos.
Devia ser uma menina alegre, que iluminava os locais em que chegava. Devia estar no primeiro namorado, nos primeiros beijos, nas primeiras dores de amor. Espantoso como dela emanava serenidade. A impressão era de que logo se ergueria dali, sorridente e estremunhada do adormecer, e olharia para mim, e me cumprimentaria com leveza, e sairia daquele lugar macabro com passos de quem já foi bailarina.
Lembrei de uma história contada no Evangelho de São Marcos. Jesus chega ao velório de uma menina. Todos choram, e ele diz:
- Por que estão chorando? Ela não está morta, está apenas dormindo.
As pessoas caçoam de Jesus, mas ele se aproxima do corpo e ordena:
- Talita, cumi!
Ou seja:
- Menina, levanta!
E a menina se levantou para a vida.
Pensei que aquela menina de Santa Maria poderia se levantar para a vida naquele momento. Porque ela parecia, mesmo, viva. Tão bela, tão criança, tanto para fazer neste mundo. E aí olhei para ela e pensei: menina, levanta! E, por um momento, acreditei que ela pudesse, de fato, se levantar. Olhei, olhei, mas ela não se mexia. Como podia, aquela menina ali? Não podia. Não devia. E de novo pedi: menina, levanta! E a fitei, fixamente. Levanta, menina, pedi outra vez. Levanta. Levanta. Levanta. Levanta.